"(...) e o escuro do quarto pesa sobre minha insensatez, até que o
dia amanheça e me traga de volta a lucidez.
Enquanto trabalho com ar de moça séria e ajuizada, minha cabeça parece uma metralhadora giratória, os pensamentos sendo disparados a esmo: digo ou não digo; fico ou não fico; tento ou não tento — quem de mim é a sã e quem é a louca, por que ontem eu não estava a fim e hoje estou tão apaixonada, como estarei raciocinando daqui a duas horas,
em linha reta ou por vias tortas?
Alguém bate na porta interrompendo
meus devaneios, é o zelador entregando a correspondência, eu agradeço e sorrio, gentil, demonstrando minha perfeita sanidade.
Que controle tenho eu sobre o que ainda não me aconteceu? E sobre o
já acontecido, que segurança posso ter de que minha memória seja justa, de que minhas lembranças não tenham sido corrompidas? Quero e não quero a mesma coisa tantas vezes ao dia, alterno o sim e o não intimamente,
tenho dúvidas impublicáveis(...)"
[Martha Medeiros]